Aprender inglês brincando: sobre jogos educacionais

O fenômeno cultural do jogo é um assunto muito estudado em áreas como Antropologia e Pedagogia. Jogos educacionais já eram analisados pelos gregos Aristóteles (385-322 a.C.) e Platão (427 – 347 a.C) em reflexões sobre a importância do lúdico na infância, e segue sendo um consenso científico que os jogos possuem um enorme potencial para auxiliar em diversos aspectos da formação de crianças e adultos.¹ 

Com o desenvolvimento de tecnologias cada vez mais complexas, as opções de aprendizado através da brincadeira estão cada vez mais diversificadas. Em geral, as novas gerações preferem estudar através de atividades mais práticas e divertidas, mas é preciso ter cuidado para não aprender “errado” neste processo.

Como alguém que chegou ao nível avançado de inglês aprendendo de forma autodidata, e que agora está há anos ensinando o idioma em aulas particulares, minha opinião sobre jogos educacionais é que eles devem ser usados com moderação e senso crítico.

Quando eu era criança e estava interessada em aprender inglês para entender melhor as séries de televisão e filmes que eu assistia, as músicas que ouvia na rádio, etc, eu desenvolvi alguns métodos particulares naturalmente. 

Na época, cerca de 15 anos atrás, não haviam smartphones nas mãos de todas as pessoas e eu não tinha acesso à internet o tempo todo. Eu aprendi boa parte do meu vocabulário básico assistindo televisão com legendas. De tanto ouvir certas palavras com a tradução escrita na tela, consegui decorá-las.

O tempo que eu tinha online, usava para pesquisar a tradução de músicas da rádio que eu gostava e as escrevia junto da letra em uma folha de caderno. Eu sempre gostei de cantar junto com as músicas e aprender o que exatamente estava sendo falado nas minhas canções preferidas, em todos os sentidos. Era uma atividade super estimulante, pois eu ganhava novas perspectivas do sentido da arte que eu consumia e do uso do idioma de acordo com certos contextos e formas de expressão. Descobrir as letras das músicas era descobrir o mundo.

Com meu nível de compreensão cada vez melhor, comecei a conseguir ler e falar inglês. Na adolescência, passei a ter mais acesso a internet e, com isso, mais acesso a música, filmes, livros, todo tipo de conteúdo em inglês. Se eu tinha dúvidas, eu podia perguntar aos professores da escola e fazer pesquisas extensivas na internet que iriam me ajudar a solucioná-las.

Na época, não haviam tantos aplicativos e nem tudo era tão voltado para viciar os usuários, como percebo que acontece atualmente. Eu não tive acesso a nada parecido com Duolingo, por exemplo, no meu processo de aprendizagem, mas mesmo assim, a maior parte do meu inglês até o nível intermediário foi somente na brincadeira: muito espontâneo e divertido, porém não tão didático. 

Apesar de eu ter alcançado um bom nível de conhecimento sem fazer aulas de inglês fora da escola, em certo ponto pedi para minha mãe me matricular em uma escola de inglês. Lá, fui posicionada diretamente no nível avançado, porém, aos poucos, fui descobrindo que eu havia assimilado alguns conteúdos básicos de forma errada. Precisei reaprender algumas coisas. Eu imagino que se eu tivesse aprendido minha base fazendo também atividades focadas na didática, este problema seria evitado.

O fenômeno de jogos cada vez mais viciantes se expande para os jogos educacionais. Hoje, quando pensamos em aprender brincando, pensamos mais em aplicativos do que atividades em grupo na sala de aula, ou qualquer tipo de desafio à criatividade.

A facilidade para aprender idiomas está ligada à criatividade, na minha opinião. Aprender um idioma é abrir a mente para uma forma totalmente diferente de pensar o mundo, já que a linguagem é uma das bases da formação sociocultural.

Todos os alunos com quem trabalhei até hoje, especialmente os que apresentavam dificuldade de aprendizado, acreditavam na ilusão de que aplicativos em que o usuário é praticamente passivo eram suficientes como material de apoio.

Isso não é à toa. Propaganda extensiva e o próprio funcionamento viciante dos aplicativos são os pilares desta ilusão coletiva. Não acredito que jogos passivos devem ser evitados, mas acredito, sim, que devem ser usados com moderação, sendo parte mínima do material de apoio aos estudos.

Atenção ao uso da palavra “passivo”. Jogos ativos, em que o aluno usa bastante a criatividade – estes são super bem-vindos!

Sejam crianças, adolescentes ou adultos, experiências lúdicas ativas são verdadeiramente estimulantes pois não “prendem” um “usuário” com ferramentas de recompensa que viciam: elas engajam o jogador por apresentarem desafios interessantes e recompensas reais, na forma de um aprendizado mais completo e conectado à própria vida da pessoa.

Se você está pesquisando formas de aprender inglês brincando para você ou seus filhos e não tem vontade de usar jogos passivos, pode seguir diversos outros caminhos.

Desejando usar aplicativos, prefira baixar jogos como palavras-cruzadas, jogo da forca, jogo da memória e outros clássicos, como “pictionary” e “snakes and ladders”. Entre desafiar-se a jogar um jogo em inglês e um jogo supostamente didático, prefira a primeira opção. Confie a didática para os especialistas – professores ou sites e aplicativos confiáveis, como o do Cambridge Dictionary. (dictionary.cambridge.org)

Se quiser incorporar ativamente o idioma no dia-a-dia de uma forma divertida, crie sua própria brincadeira a partir de interesses verdadeiros. Por exemplo, se na sua casa cozinhar for uma atividade estimulante, passe a procurar receitas em inglês e cole o nome dos ingredientes em inglês na cozinha, tornando o momento culinário em um jogo educacional que ensina vocabulário, cultura e compreensão escrita.

Em conclusão, acredito que a melhor forma de aprender inglês brincando é complementar o aprendizado das regras do idioma com atividades criativas. Seja extremamente crítico aos jogos que te convidam a ser preguiçoso, que não representam desafios ou que não conversam com seus interesses reais.

Inspire-se na minha história e busque saber como foi o processo de familiares ou amigos que são fluentes também. Aceite o desafio de buscar as suas maneiras de aprender brincando.

Boa sorte e bons estudos!

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